Criei boa parte das minhas lembranças com base em fotografias e em histórias que me contaram. Tento não pensar muito sobre isso, porque sei que esse fato entristece muitos meus pais. Minha irmã lembra até do que vestia no dia em que foi pra praia pela primeira vez, eu sequer lembro onde morava e quem eram os meus amigos na infância. Hoje escrevo não só pelo resgate do prazer que descobri com meu primeiro diário, mas como uma estratégia de sobrevivência dos momentos especiais que vivi.
Mexendo nas gavetas em uma das crises de organização encontrei faz alguns anos o meu “querido diário” de quando eu tinha dez anos. Parei para reler novamente quando comecei a escrever aqui e é engraçado porque eu tratava meu diário como um grande amigo que me acompanhava em todos os momentos (e nos mínimos detalhes). Eu contava pra ele como estava o clima, como eu tinha ido nas provas e agradecia por ele me dar atenção. Eu pedia até desculpas por demorar a escrever e justificava o porquê da demora. As páginas tinham cheiro e eu enfeitava quase sempre com adesivos ou canetas coloridas. Reler essas páginas e compartilhar algumas com conhecidos de longa data me trouxeram um conforto enorme além de dar boas gargalhadas. Percebi que há vinte anos me preocupo seriamente com absolutamente tudo e sempre fui muito intensa. Minha primeira amiga me contou que quando nos conhecemos ela estava chorando e eu disse “Se você chorar eu não vou ser sua amiga”. Gosto dessa versão miniatura de mim mesma que encorajou ela a parar de chorar, mas também fico pensando sobre o gatilho de levar as coisas tão a sério desde pequena.
Para constar, ela continua na minha vida depois de vinte e cinco anos desse fato e depois de muitos cortes horripilantes de cabelo. Obrigada por parar de chorar Anne Elise. E obrigada mãe por renovar a decoração da sala.
